Abri os olhos e me senti exorcizada. Da dor, do cansaço, dos pensamentos de que não seria capaz. Todo o peso do dia anterior havia ido embora. Meus joelhos dobravam sem reclamar, as costas toleravam o peso da mochila.
Quando calcei a bota, não acreditei que a unha solta que latejava no dia anterior já não doía quase nada. E não havia novas bolhas nos pés, apenas as que já haviam se formado. O que aconteceu naquela noite de sono no Monastero di Camaldoli somente Deus e eu sabemos. Só pode ter sido um milagre, porque eu me sentia revigorada e pronta para caminhar quantos quilômetros fossem necessários naquele dia.
Por ironia do destino, justo aquela trilha seria a mais curta de toda a peregrinação, apenas 8,4 quilômetros entre o Monastero e a comune de Badia Prataglia.
Aproveitei para tomar o café da manhã com calma no mosteiro, com frutas, chá, suco, cereais e torradas com geleias. Uma fartura para quem comia bananas amassadas com aveia e castanhas há seis dias.
Já na trilha, finalmente apreciei o Parque Nacional da Floresta de Casentino. Árvores bem altas e corredeiras de água deixavam o ar fresco. A terra era de um marrom escuro e avermelhado, com pedras cobertas de verdes musgos da umidade.
Cheguei a Badia Prataglia às 14h.
Na frente da igreja, havia uma espécie de placa de madeira feita à mão sobre Cammino di San Francesco. Tinha o desenho do santo com passarinhos, em meio à floresta e pinheiros, e a frase:
“Cominciare col fare cio’che à necessario, poi ciò che è possibile…”
Uma referência à uma famosa citação atribuída ao santo, mas que ele nunca disse, que termina assim: “E all’improvviso vi sorprenderete a fare l’impossibile”
A tradução seria: “Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível. E de repente você se surpreenderá fazendo o impossível”.
Naquele dia, eu realmente acreditei que o impossível de ontem já havia se tornado no possível de hoje. Que bela sincronicidade.
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